Friday 1 April 2011

Simples dia...




Queria eu…
ser a água que te mata a sede…
o mar calmo nas tuas tempestades, a brisa que sopra no calor desértico…
o Sol que beija, que te beija a face… enfeitada por uns olhos de menino…
que te compõe o rosto terno e cálido num sorriso morno de lábios carnudos que chegam a ser fantasia.
Queria ser as mãos…
que te acolhem, num leito feito dossel…
onde pintas de mil cores, o pano cru … no repousar do excesso do dia…
ser rastilho de pólvora doce… que te desperta os sentidos, que te exalta a carne…
o perfume que te envolve… e então amar-te-ia,
amar-te-ia por entre o lilás do Sol poente e o júbilo da alvorada do dia…
Queria eu ser…
as pancadas de Molière, dentro da tua poesia…
ser poema e cantar-te no doirado da seara… ser tua seara ao Sol, qual espiga erguida… que colhes em ti… eu queria…
ser pão, ser o mel, a seiva que te inebria…
especiaria que te incendeia as entranhas… ser a Paz das tuas guerras…
ser tua, eu queria…
nem que fosse na quimera dum simples dia…


Sil, Janeiro de 2010

Friday 11 March 2011

Dos cacos e outros demónios...




De súbito, um barulho ensurdecedor ecoou pela casa.
O chão tremia debaixo dos meus pés, os discos no móvel rolavam capa fora, os copos tilintavam na prateleira... e das paredes escorria um liquido de odor acre e sem cor.
Corri para o espelho, fitei-me uma e ainda outra vez. Alivio, o meu rosto permanece intacto, o mesmo, ainda que os meus lábios estejam arqueados formando um arco cujo os extremos rasam o meu queixo, ausência de sorriso, é tudo o que vejo de diferente ou talvez já não seja tão diferente assim, e até já me vou habituando...

Espreitei mais fundo no espelho, a alma a essa não a via, pois espelhos não reflectem almas, "caramba, tenho de conseguir ver dentro, mais dentro de mim", e volto a debruçar-me ainda mais fundo mesmo no fundo do espelho, de alma, nada... ou será que no meio de toda esta confusão, afinal nem alma tenho ou nada tenho na alma!?
Ainda em pé frente ao espelho, baixo os braços rente ao corpo, uma mão e a outra descem ancas fora, sinto como se as minhas mãos pudessem tocar os tornozelos... sensação estranha esta de me sentir um gigante a quem apenas lhe cresceram os braços.

Está frio, faz frio cá dentro e o sol brilha lá fora, o vento varre as folhas secas cá dentro e nem uma suave brisa sopra lá fora, cá dentro o barulho deixa adivinhar o som dum ruir de cacos, e lá fora, lá fora os edifícios continuam imponentes e erguidos... o som não vem de fora, o som não é mais que o ruir dos cacos soltos de mim.

Sil 11/03/2011

Sunday 6 March 2011

A conta-gotas




Já alguma vez te sentiste, como se o teu coração estivesse a ser alimentado a conta- gotas?
E os teus movimentos, mais não fossem que, o lento cair das folhas numa qualquer tarde de Outono?
E cada suspiro, sustentado pelo vapor duma locomotiva que teima em descarrilar...?

A céu aberto abro as narinas, nada entra, nada sai, de ar nada... agonizo, sufoco!

E as gotas vão caindo
caindo vão entrando
e circulam
circulam nestas veias ressequidas.

Ressequidas estas veias
teias de aranha
cordas
amarras dilaceradas de canoa
canoa naufragada no levante da maré...

Ao longe a madeira, desgastada pela corrente bóia à tona do movimentos das folhas, castanhas de Outono, frias de entardecer...
Abro os braços e num trago encho os suspiros de ar, enrosco-me ao sabor da corrente... deixo-me embalar pelo mar.

Sil 26/01/2011

Friday 10 September 2010

Cuspidora de lava




...e vai cuspindo lava ao passar, essa maldade esculpida em pedra e de pedra fria talhada, essa maldade que jamais amolece e nunca desiste,e nos atira contra as rochas num vómito de raiva e ódio mascarados por um sorriso falso de quem já não sabe ou nunca soube sorrir...tortuosa maldade essa, que por cegar na sua própria demência nem dá pela erosão...que lhe corroí os contornos,lhe abre socalcos na pele envenenada,que lhe empalidece a tez, perfumando os seus gestos de excrementos quais dejectos duma fera com chifres adornada...

Chafurda assim na vontade diabólica que é a sua... e em guerras premeditadas,em rios pestilentos de lama podre,ri, numa gargalhada que ecoa estridente e arrepiante, ri a besta... ri de tanto nos açoitar, de tanto nos querer mal, de tanto nos contrariar, de nos devorar o ser...

Quer ser como outro qualquer comum mortal, maldade estúpida e ingénua, e finge... Seu cheiro impregna o ar de enxofre num eco húmido envenenado, no céu assenta a pestilência dum bafo por si deixado...

O Sol brilha por cima de todo este teatro pela besta encenado... o Sol brilha, centelha de vida e luz, atento o Sol, atento ao seu escárnio envenenado, vai um dia, a luz decepa-la, e em milhões de pequenas partículas se irá tornar, e por tão pequena ser da força que antes tinha, nada mais irá restar...

Sil
Julho ´10

Tuesday 7 September 2010

Vesti-me de ti...





Despi-me dos velhos farrapos que teimosamente me toldavam a alma de negro, onde o cheiro nauseabundo a enxofre açoitava o ar, irrespiráveis... minhas ruas eram um pântano, de lamas movediças... onde minha alma chafurdava, onde meu corpo definhava... onde o meu Ser desistia...
Os dias eram um não mais terminar de noites... escuridão, o breu... onde o Sol nunca brilhava e nem as estrelas se atreviam a espreitar... era o pântano, pestilento, movediço, era a lama... a lama dos meus dias feito noites.
E ela... a alma morria, lentamente... devagar... morria, deixava-se ir... e escorregava cada vez mais por entre o pântano, sentindo a lama a entrar-lhe nas veias... a povoar-lhe os pulmões, petrificando-lhe o sorriso... congelando-lhe as emoções... e ela... ali permanecia, num lamento, num sussurro... habituada ao breu, á noite... tacteando com as mãos as paredes movediças... pedia para não mais voltar.

Certo dia feito noite, por descuido ou distracção... uma nesga de luz se esgueirou janela dentro... a medo, e ainda cega pla escuridão que habitualmente me envolvia, decidi fitá-la... á luz... olhei-a... de relance, pensei voltar a olhar... mas o medo de voltar a entrar na luz que um dia se apagou... e que sem pudor me deitou ao pântano... era tal o medo... que corri... de volta ao velho armário, de seu cheiro a mofo, rebuscando nas gavetas as dores e as cicatrizes que por lá guardava... e abracei-as, eram negras, frias, sem cor, mas eram minhas... e a essas eu já as conhecia...

E lá fiquei noites e noites... a acarinhar estas mesmas dores, e cicatrizes e as feridas... sem as lamber, sem as querer sarar... ficando assim, sangrando... ajudavam-me a matar a Alma... que agora já lutava por ficar.


Foi a luz bem sei... a luz colocou uma centelha na Alma, tocou-lhe... abanou-a de mansinho... como quem atiça uma fogueira que teima em se desvanecer... e saí do armário, limpei-me da lama do pântano... vim até á janela... e sentei-me... adormeci... acordei e esperei... e lá estava finalmente a Luz, desta vez feita de Cor... olhei-a de frente sem medo, um arco-íris de cor inundou o quarto... fez frente ao velho armário... e como que num passe de magia... trancou as dores, cicatrizes e feridas a sete chaves... e deitou uma a uma ao pântano... e a Alma não lutou, ao invés deixou-se banhar por aquela Luz intensa de Cor... tragou-a... sem medo... tomou-a em suas mãos… pintou-se com as suas Cores... e foi assim que me vesti de ti... no dia feito dia em que me devolveste a Cor!

Silvia 6/01/2010

Chegaste...



Assim como quem vem perdido, ofuscado por uma Luz que não sabias como seguir…
Cegava-te os olhos, essa Luz…baralhava-te os sentidos, secavam-se na garganta as palavras… como num grito mudo e repetido… não eram lamento, mas sim e apenas …um… eu quero sair daqui vivo!

Chegaste…
Assim como quem vem… de frio tolhido, um frio que não te gela as mãos… um frio… qual aguarela desbotada, cinzento de tempestade… que te corre no rio da alma, e espelha uma paisagem…quase lunar e assim de Lua despida.

Chegaste…
Assim… como quem chega, de batalhas mil… herói vencido, e depuseste as armas… abandonas-te o teu eu… nas trincheiras da derrota, ficando por lá, esquecido…
Chegaste… no breu da noite, trazendo… e apesar de tudo, trazendo música nos olhos… bandeira desfraldada ao vento, hino que entoava em tuas mãos… versos de cor… versos dum poema, que clama por libertação...

E acolhi-te, em meu regaço… e recebi-te em mim. Inundei-te da minha Luz e, guiei-te… soltei-te as palavras mudas, e as tuas mãos falaram…deite do meu calor e, aqueci-te… entreguei-te a minha Paz e, com isso, resgatei… o herói, que por trazer música no olhar… jamais se dá por vencido.

E a paisagem permaneceu lunar… sim, mas esta Lua pintava-se agora dum doirado que tudo iluminava e cada estrela no esplendor da sua cor… pintava a pastel o horizonte da Vida…

Sílvia 12/01/2010

E se...


o Amor tivesse tamanho… eu apelaria á imensidão dos Oceanos… á grandeza dos Céus…
á profundidade dos Mares… para te mostrar a sua medida
Se o Amor fosse composto de Cor… pintaria o mais belo mural… com a mescla das mais belas cores…
iluminado pelo Sol… envolto na doçura da Lua…
Se tivesse ainda aroma… poderias sentir a sua fragrância nos frutos e flores… num salpico de terra batida…
nas ondas que beijam as rochas…
Se o Amor tivesse som… seria como o cantar da Cotovia…
a dança das papoilas por entre a seara… ou ainda o saltitar da cascata de encontro aos seixos que a abraçam…

Luz… Cor… Aroma… Explosão… Sentires… Alma… Imensidão…
Sil - Fev ´10